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“Tudo o que sabemos não vem de um aprendizado único. É uma somatória de técnica, conhecimento, percepção das entrelinhas”

Drª Larissa Kozow Westin, Neurologista especialista em dor crônica e mestre em neuropatias periféricas, em entrevista concedida ao Jornal centro Oeste Popular

Data da publicação: 03/02/2023
Autor: Administrador

Drª Larissa Kozow Westin é neurologista especialista em dor crônica e mestre em neuropatias periféricas, é também sócia fundadora da Clínica Axons, Centro Especializado em Neurologia e Neurofisiologia em Cuiabá, local onde atende seus pacientes. Em entrevista ao Jornal Centro Oeste Popular ela fala sobre as principais doenças dos tempos modernos, soluções para cura, saúde mental entre outros assuntos.
CO Popular- Quais as principais doenças dos tempos modernos que estão associadas especialmente à modernidade e ao excesso de conteúdo digital?
Dra. Larissa Kozow Westin - Sem dúvida alguma, a modernidade trouxe muitas conquistas a humanidade. Mas com ela, vieram o ônus dos excessos também. O excesso quanto ao uso de telas fez nascer uma geração de ansiosos, deprimidos e insones. Ansiedade por conta de um mundo mais rápido, com as notícias chegando a todo o momento e o medo de ficar por fora do que está acontecendo. A tristeza que toma conta quando a vida íntima não é igual à da influencer com tanta pompa e circunstância. E a interação virtual demasiada, com estímulos luminosos e sonoros bombardeando o cérebro a todo o momento, diminuiu a quantidade e a qualidade das noites de sono de todos nós.
CO Popular- Doenças de Parkinson, Alzheimer e a AVC são as enfermidades que você mais atende?
Dra. Larissa Kozow Westin- As doenças mais prevalentes em todo consultório neurológico são avc, doença de Alzheimer e cefaleia. Estima-se que no Brasil, o AVC apresenta uma incidência de 108 a cada 100mil indivíduos, segundo a ONS. Já o Alzheimer, está presente no lar de 1.5 milhões de brasileiros. A cefaleia, queixa mais comum dos consultórios, atinge 30 milhões de brasileiros, dados da Sociedade Brasileira de Cefaleia.
CO Popular- Em geral, as pessoas vão ao médico em busca de soluções, querendo ser curadas. Mas as doenças que a senhora mais atende não têm cura. Como é trabalhar sabendo que os seus pacientes não necessariamente vão voltar a ter a vida que tinham antes?
Dra. Larissa Kozow Westin- Curar algumas vezes, aliviar quase sempre, consolar sempre (Joffre Marcondes de Rezende). Princípio importantíssimo para a prática da medicina, traz a todo médico o entendimento de que também somos humanos. Falhamos, perdemos, não temos resposta para tudo. Não temos o mundo em nossas mãos. Trabalhar com doenças raras, me fez entender que tudo pode se renovar, tomar nova forma e sentido. Que tempo e limitação são percebidos de forma muito diferente por cada indivíduo. O que te traz sofrimento, pode não passar de uma pedra pequenina no caminho para quem está do outro lado. Acima de tudo, a noção de finitude sempre traz questionamentos diversos. Costumo dizer aos meus pacientes que estou no caminho com eles. Aprendendo, acertando, errando.
CO Popular- É muito comum ouvirmos que, comparado a outros órgãos, ainda sabemos pouco sobre o funcionamento do cérebro. Isso ainda é verdade? Que avanços recentes estão mudando ou têm um grande potencial de mudar a neurologia?
Dra. Larissa Kozow Westin- Houve muitos avanços na compreensão do cérebro nas últimas décadas. Descobrimos por exemplo que a neuroplasticidade, capacidade dos neurônios em gerar novas conexões, perpetua-se por toda a vida. Foram feitos avanços significantes na busca pelo tratamento precoce de doenças neurodegenerativas e transtornos mentais. A neurociência trouxe o entendimento em como se processa o aprendizado, fazendo a interface com o processo educativo. Já a Neurologia, em constante evolução, tem conseguido trazer para nossa prática diária, avanços no tratamento dos nossos pacientes.
CO Popular- Muitas das condições que fazem parte da neurologia estão fortemente atreladas à psiquiatria. Como você vê essa correlação entre as duas áreas? Como elas podem se complementar mutuamente?
Dra. Larissa Kozow Westin- Psiquiatria e neurologia são complementares. Assim como a reumatologia, endocrinologia e ortopedia. Nosso corpo é um só. Nossos órgãos funcionam conjuntamente. E não separamos corpo físico do mental. O processo de somatização é real. Distúrbios mentais criando doença física. A interface neurologia e psiquiatria existe e é diariamente realizada.
CO Popular- O que e quanto sabemos sobre o cérebro?
Dra. Larissa Kozow Westin- Quantificar o que sabemos sobre 100 bilhões de neurônios é uma tarefa árdua que beira o impossível. Se calcularmos a probabilidade de eventos nas diversas associações que podem ser realizadas. Aí sim torna-se impossível de estimar. O importante é sabermos que já avançamos muito e tecnologias recentes como a ressonância magnética funcional, o PET-scan, campos de alta resolução. Nos trouxeram a possibilidade de continuarmos em busca para desvendar suas possíveis milhares de funções diferentes.
CO Popular- Hoje o cérebro está sendo testado “de forma drástica”. Concorda? O que isso significa?
Dra. Larissa Kozow Westin- O cérebro consegue realizar inúmeras atividades diferentes e simultaneamente. Tem uma capacidade infinita. Não acredito que o cérebro esteja sendo testado. E sim, que estamos nós, seres humanos, tomando mais consciência das inúmeras habilidades possíveis a serem conquistadas por cada um de nós. Porém, é importante lembrar que não somos uma máquina. E avaliar objetivamente, com números exatos tais habilidades torna-se impossível. Tudo o que sabemos não vem de um aprendizado único. É uma somatória de técnica, conhecimento, percepção das entrelinhas, emoção relacionada.
CO Popular- O cérebro pode se transformar em uma arma de combate?
Dra. Larissa Kozow Westin- Sim, com certeza. A maior importância do cérebro é fazer com que sejamos indivíduos únicos nesta imensidão. E por isso, o conhecimento compartilhado entre os indivíduos pode se tornar uma arma incrível de combate. Combate às doenças neurodegenerativas, às infectocontagiosas que geram epidemias e pandemias terríveis. Combate à pobreza, à fome, à corrupção. Se usarmos o cérebro com precisão e objetivo definido, ele pode ser sim, uma poderosa arma de combate às mazelas que tanto assolam a humanidade.
CO Popular- Com relação aos problemas de saúde mental, que também são doenças do cérebro, o que se sabe?
Dra. Larissa Kozow Westin- Transtornos mentais são disfunções da atividade cerebral que podem afetar o humor, o comportamento, o raciocínio, o aprendizado e a maneira de se comunicar de uma pessoa. Apesar de serem também doenças do cérebro, nada melhor do que trazer nossos amigos especialistas em saúde mental para a discussão -os psiquiatras-. As desordens mentais são o segundo motivo mais frequente dos atendimentos de urgência, de acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria. Não há uma causa definida para esse tipo de distúrbio. Os avanços científicos nos mostram uma relação entre fatores genéticos e a incidência desses casos. Outras questões também podem desencadear um distúrbio mental, como o luto, traumas ou uma situação de estresse intenso, a baixa qualidade de vida de uma pessoa e o abuso de drogas também podem ser agravantes.
CO Popular- Os especialistas já dizem que estamos em uma pandemia de saúde mental ruim. Como se confronta isso?
Dra. Larissa Kozow Westin- Essa crise na saúde mental é real. A pandemia teve e tem um efeito devastador neste quesito importantíssimo nas nossas vidas. Segundo publicação da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) em novembro de 2021, o efeito da pandemia pela Covid-19 na saúde mental das américas foi devastador. Os dados ​​mostram que mais de quatro em cada 10 brasileiros tiveram problemas de ansiedade; os sintomas de depressão aumentaram cinco vezes no Peru; e a proporção de canadenses que relataram altos níveis de ansiedade quadruplicou como resultado da pandemia. O documento também evidenciou que há consequências direta da infecção pelo Sars-cov-2 na saúde mental das pessoas. Os dados existentes sugerem que um terço das pessoas que sofreram com COVID-19 foram diagnosticadas com transtorno neurológico ou mental. O Covid Longa ou, sintomas pós-covid traz um aumento da carga de saúde mental como um dos efeitos mais importantes da COVID-19 a longo prazo.


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